Esta semana, no dia 3 de dezembro de 2024, o mundo ficou assustado quando o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, em discurso na noite de terça-feira (madrugada em Brasília), anunciou o decreto de lei marcial no país, alarmando o Parlamento, que derrubou a medida; houve forte reação das forças democráticas da própria Coreia e dos países mais importantes do mundo. A reação levou o presidente a voltar atrás e mandar recolher os tanques que estavam na rua por determinação do então ministro da Defesa, Kim Yong-hyun. O grande inspirador do golpe renunciou quando viu o fracasso da tentativa de impor uma nova ordem à força, diante da reação de civis, como a de uma jovem coreana que enfrentou um tanque, lembrando a famosa cena de um solitário chinês enfrentando um tanque do Exército do Povo na histórica Praça da Paz Celestial, em Pequim, em abril de 1989. Agora, Yoon Suk Yeol está sob risco de “impeachment” do Parlamento sul coreano.
O fracasso do autogolpe de Pedro Castillo foi relâmpago. Após anunciar que fecharia o Congresso, em 7 de dezembro de 2022, diante da reação das forças democráticas do país, Castillo foi destituído do cargo e preso depois do fracasso do golpe. O desfecho assustou Bolsonaro quando, as resistências veladas dos comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, manifestadas desde 1º de novembro de 2022, no dia seguinte ao anúncio da perda da reeleição de Bolsonaro para Lula, se cristalizaram após a repercussão da manobra autoritária de Castillo. Uma das consequências, na primeira minuta do golpe, esboçada por grupo de advogados que se apoiavam numa leitura equivocada do Artigo 142 da Constituição – sobre o papel das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem -, sob a coordenação do assessor presidencial Felipe Martins, foi enxugar o decreto. Além de menos “considerandos”, houve a exclusão das prisões do presidente do Senado e do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do decano do STF, ministro Gilmar Mendes. O foco seria centrado em Lula, Alckmin e em Moraes, com planos de sequestro e morte para gerar vazio do poder e nova eleição, após intervenção no STE.
No próprio dia 7 de dezembro, já com a repercussão no Brasil do fracassado golpe no Peru, Bolsonaro chamou ao Palácio da Alvorada – onde estava recluso desde 30 de outubro – os três comandantes militares e mais o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira. Só o comandante da Marinha, Almir Garnier, se dispôs a apoiar o golpe. Provavelmente com os velhos tanques que causaram muita fumaça e risos vexaminosos no desfile de 10 de agosto de 2021, na Praça dos Três Poderes, diante do Palácio do Planalto e do STF (do outro lado da praça), no dia em que o Congresso votaria a PEC que derrubou a proposta de voto impresso, antecipando as manobras da “Operação Formosa” que a Marinha realiza todo ano em Goiás entre agosto e setembro.
Sem o apoio do Exército, com mais tropas por todo o país e ainda com o batalhão de aviação de Taubaté (SP), e a mobilidade da Aeronáutica, cujas tropas podem ser levadas de avião a qualquer ponto do país, o cacife da Marinha era pequeno para bancar o golpe. Bolsonaro insiste com os comandantes do Exército e Aeronáutica dias 12 e 15 de dezembro, até receber ameaça de prisão de Freire Gomes, que já tinha a maioria dos 16 generais do Alto Comando do Exército contra qualquer ruptura constitucional. Mas não impediu a “Festa da Selma”, com invasão e depredação das três sedes de governança democrática na Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
Forças Armadas trocam tiros
JK foi sábio ao mudar a capital do Rio de Janeiro para Brasília, em 1960. Pelo menos, imaginava, o Palácio Presidencial (então no Catete) ficaria fora do alcance dos canhões dos navios da Marinha. Em 11 de novembro de 1955, numa semana em que o Brasil chegou a ter três presidentes da República - o titular, Café Filho, vice de Getúlio Vargas, que assumiu o cargo após o suicídio do presidente em 24 de agosto de 1954, estava internado desde 3 de novembro no Hospital dos Servidores, na Gamboa, na então capital federal e foi sucedido pelo presidente da Câmara, Carlos Luz, de 8 a 11 de novembro, e depois, pelo presidente do Senado, Nereu Ramos - a situação quase gera uma guerra entre as Forças Armadas.
Assim como em 2022, JK (PSD) foi eleito em 3 de outubro de 1954, infligindo a terceira derrota seguida ao candidato da UDN, o brigadeiro Eduardo Gomes. O patrono da Aeronáutica fora derrotado em 1945 pelo candidato de Vargas, marechal Eurico Gaspar Dutra, e em 1950, pelo próprio Vargas, que volta ao poder pelo voto. Em 1955, Eduardo Gomes cede a vez ao marechal do Exército, Juarez Távora, que concorre pela UDN. Como JK vence por 35,68% dos votos válidos contra 30,27% de Távora, ficando Adhemar de Barros (PSP) em 3º, com 25,77%, a UDN e a direita esperneiam com a tese de que a vitória não valia por não ser com maioria absoluta (50%+1 dos votos válidos). O ministro do Exército, Marechal Henrique Teixeira Lott, dá um golpe preventivo para debelar a insurgência do movimento de coronéis do Exército liderados pelo coronel Bizarria Mamede e patentes equivalentes da Marinha e da Aeronáutica (meu tio, coronel Geraldo de Menezes Côrtes, embora tenha sido escolhido e nomeado chefe da Polícia Federal pelo ministro do Exército, é preso, por suposta ligação aos coronéis de sua turma no Exército) e Lott depõe Carlos Luz, 3º na linha de sucessão, e presidente da Câmara, que estava do lado dos revoltosos. Legalista, Lott chega a pedir demissão a Carlos Luz.
Após noite insone, Lott, percebe a trama e reage às medidas de Luz. Diante da resistência do ministro do Exército, Luz se refugia com outros políticos e militares no cruzador “Tamandaré”, o maior da Armada. Os comandantes dos fortes do Leme e de Copacabana recebem ordens para disparos de canhão em advertência contra o navio, mas o “Tamandaré” se esconde ao lado de um navio mercante e escapa rumo ao porto de Santos (SP). No meio tempo, o poder passa ao presidente do Senado, Nereu Ramos, que fica no cargo até a posse de JK, em 31 de janeiro de 1956 (fiz seis anos no dia).
1989, um ano que ficou na história
Uma pesquisa histórica mostra como o ano de 1989, que praticamente se inicia com a posse, em 20 de janeiro, de George H. W. Bush, como o 41º presidente dos Estados Unidos, que provoca mudanças profundas no tratamento dos EUA a golpes antidemocráticos, que valem até hoje no seleto clube das nações da OCDE. Quadro do partido Republicano, Bush pai foi nomeado diretor geral da CIA, em 1976, até ocupar a vice-presidência de Ronald Reagan, de 1981 a 1989 – a quem sucedeu. Ele participou intensamente dos bastidores que antecederam a segunda abertura da China aos EUA e ao mundo e ao desmonte mútuo do arsenal atômico da União Soviética e dos EUA (na verdade, congelado). [Vamos ver o que Trump fará em 2025].
O rico ano de 1989, que praticamente culmina com o encontro dos presidentes George H. W. Bush e Mikhail Gorbachev, em 3 de dezembro, quando os dois anunciam “o fim da Guerra Fria”, marca, no Brasil, o fim do regime autoritário, com a primeira eleição direta no Brasil (em outubro, com Fernando Collor), após a Constituição de 5 de outubro de 1988 selar a redemocratização do país, após 21 anos de ditadura e cinco anos do governo Sarney (1985-89), eleito de forma indireta como vice de Tancredo Neves, pelo Colégio Eleitoral.
Um calendário rico: em 2 de fevereiro, na Venezuela, Carlos Andrés Pérez assume a presidência. Em 3 de fevereiro, no Paraguai, é deposto o velho general Alfredo Stroessner como consequência de um golpe de estado liderado pelo general Andrés Rodríguez. A 5 de fevereiro, as tropas de 30 mil solados da União Soviética iniciam a retirada do Afeganistão. No mesmo dia, a organização anticomunista polaca Solidariedade inicia discussões com o governo. Em 9 de fevereiro, o governo da Alemanha Ocidental proíbe o partido neonazista no país.
A marcha da história avança em abril com dois fatos que são decorrência da distensão mundial enquanto a União Soviética adota a Perestroika e a Glasnot, sob o governo de Gorbachev. No dia 7 de abril, na República Popular da China, grandes manifestações ocorrem na Praça da Paz Celestial em Pequim, que culminam com a coragem de um cidadão chinês para enfrentar um tanque, cujo tripulante fica desorientado.